Are you Hard... Candy?



Em Março de 1998 Madonna apresentou o álbum Ray Of Light. Tinham passado apenas 4 anos desde a edição de Bedtimes Stories, mas parecia que tinha passado uma década. Nesse período, entre os dois álbuns, o projecto cinematográfico Evita tinha dominado a áurea de Madonna e colocado um filtro sobre a imagem provocadora e sexual que ela vinha alimentando desde o início da sua carreira musical. Todos se questionavam sobre o que faria a nova Madonna, mãe e à beira dos 40 anos. Ela sempre fora conotada com sexo, escândalo, independência feminina, com controvérsia, tudo em doses muito bem calculadas, para servirem de veículo para chamar a atenção sobre si e, por arrasto, à sua música que, naturalmente, era desvalorizada pela crítica. Que espaço ia ocupar esta nova Madonna?

A maioria dos media ditavam a morte da rainha da pop, mesmo antes de ouvirem o álbum. Todos achavam que a estratégia de Madonna tinha os dias contados. Ela já não se podia vender como símbolo sexual, porque já não era compatível com a sua idade. O girlpower era agora das Spice Girls, de Britney Spears ou de Christina Aguilera. O melhor era sair de fininho.

Madonna dominava as capas das revistas em quase todo o mundo, porque fazia 40 anos e não porque tinha um novo trabalho discográfico. A conferência de imprensa de apresentação de Ray Of Light foi dominada por perguntas relacionadas com a idade: como se sentia com quase 40 anos, o que é que ainda tinha para dizer ao público e aos fãs no campo musical, qual era a sua Spice Girls preferida?



Na conferência, Madonna tentou responder delicadamente às questões, procurando esconder o seu nervosismo e as dúvidas que tinha sobre como o público iria aceitar o seu novo trabalho. Referiu que não ficaria desapontada se álbum não tivesse sucesso, porque era simplesmente o álbum que queria fazer naquele momento. Mas, na verdade, todos sabemos que ficaria desapontada. Ray Of Light foi um enorme sucesso em vendas, galardoado com inúmeros prémios, e a barreira da idade trespassada com uma relativa facilidade.

Mas agora, 10 anos depois, Madonna está à beira dos 50 anos e a idade volta a ser notícia, ao mesmo tempo que também tem um novo álbum na manga. O título é Hard Candy. Nesta última década Madonna substituiu na sua imagem a sexualidade por sensualidade. Contudo, pela capa Hard Candy, parece que a sexualidade volta a reaparecer de uma forma provocatória. Qual é a estratégia de Madonna desta vez? Parece notório que a ironia sempre acompanhou o seu trabalho? Esta capa não excepção.

Hard Candy é também outro marco importante na carreira de Madonna, porque é o seu último álbum de originais para a Warner Music, depois fará a transferência para a Live Nation, para mais 10 anos de actividade, com mais álbuns e digressões. Madonna, como boa gestora económica que é, está bastante consciente da crise que atravessa o mundo da música, no que respeita às quebras das vendas por motivo dos downloads ilegais. Mas ela já deu a sua resposta para contornar o problema: “não se conseguem fazer download das emoções de um concerto ao vivo e eu sou boa a montar shows”. Por isso já anunciou uma digressão para este ano, a começar no Outono e a prolongar-se durante os primeiros meses de 2009.



Hard Candy é o 11º álbum de originais de Madonna e ela continua a surpreender. Desde 1992, com o álbum Erotica, que Madonna insiste e arrisca em inovar musicalmente a cada trabalho que faz. Neste foi recrutar Pharrell, Timbaland, Justin Timbarlake e Kayne West. É um cartel que reúne os melhores produtores do momento. Seria medo de não ser bem sucedida que a levou a optar por estas estrelas? Medo de arriscar em novos talentos desconhecidos, como fez no passado com a escolha de Mirwais para a produção de Music (2000) e American Life (2003), de William Orbit para Ray Of Light (1998) ou de Stuart Price para Confessions On The Dance Floor (2005). Talvez a motivação para estas escolhas fosse mesmo o medo e uma necessidade de confiança para fazer este trabalho.

Contudo, a grande revelação neste álbum é o facto de Madonna ter conseguido inverter uma tendência negativa neste tipo de parcerias, que seria deixar-se dominar e entregar todo o trabalho nas mãos dos mestres, podendo retirar-lhe todo cunho pessoal que deposita nos seus discos. Na realidade, ao longo da sua carreira, ela também tem assinado a produção dos seus trabalhos, o que não deixa de ser uma mais valia nesta situação.

O resultado de Hard Candy é um disco completamente dançável, como o anterior Confessions On The Dance Floor, mas num registo sonoro completamente diferente. A dance music europeia é substituída pelo R&B, Rap, sempre acompanhados por um toque electrónico e melodias assinadas por Madonna que há mais de duas décadas embalam todo o mundo. Neste último álbum para a Warner Madonna parece fechar um ciclo musical, aproximando-se muitas vezes da sonoridade do seu primeiro álbum, lançado em 1983. E o seu génio mais uma vez se mostra com a intemporalidade de todas as canções. A disfrutar languidamente porque, não esqueçamos, if it's bitter in the start then it's sweeter in the end.




Hard Candy faixa-a-faixa:

  • Candy Shop - Faixa de abertura do álbum, um cartão de entrada para o espírito do álbum, a apresentação da M-Dolla. A canção é quase igual à demo que surgiu na internet no verão passado. Simples, directa, pujante.
  • 4 Minutes - O primeiro single de Hard Candy, em parceria com o muito badalado duo Timbaland/Timberlake. O início épico leva-nos para uma batida repentina onde nos é dada a possibilidade de salvar o mundo em quatro minutos, através da música, da dança e de todo o espírito libertador que o refrão nos dá. A bridge If you want it... é do melhor que ela já fez.
  • Give it 2 Me - Segundo single de apresentação, com vídeo já filmado e em pós-produção. Os ritmos levam-nos à década de 70 num tema de invencibilidade esmagadora que é interrompida por um primeiro inesperado intervalo Get Stupid, bastante recorrente na produção de Pharell. Por fim, o tema retoma o seu caminho e consegue transformar-se num tema disco não muito afastado do último álbum, Confessions on a Dancefloor.
  • Heartbeat - O ritmo forte permanece associado a uma melodia bastante típica de Madonna, no melhor dos sentidos, com sonoridades inspiradas que nos levam para as pistas de dança. Uma união quase perfeita entre ritmo r'n'b e produção electrónica, mais próxima do que a artista nos tem habituado na última década.
  • Miles Away - O ínicio despido com uma viola lembra o álbum Music, que é rapidamente esquecido com a batida moderna que é, de certa forma, uma constante ligadora em todo o álbum. Esta é no entanto a primeira faixa que mais se aproxima de uma balada onde Madonna apresenta o valor do amor à distância numa melodia que facilmente entra no ouvido e que tem como inspiração máxima o So far away mil vezes repetido numa voz saudosa. Mais uma vez a música transforma-se no final para se tornar numa canção de guitarras e elementos electrónicos. Possível futuro single?
  • She's Not Me - Talvez, a primeira grande surpresa do álbum. A canção fala-nos de um roubo de amores em que a outra não tem o seu nome. Forte mas amarga. De repente, a melodia dá uma reviravolta e acelera para um climax de guitarras e a voz igualmente forte e frágil de Madonna oferece-nos a complexidade maior sobre o tema. A faixa volta ao seu rimo inicial para mais tarde voltar a mudar o seu rumo e, numa técnica semelhante ao intervalo do Hung Up, é criado um novo climax electrónico em que a voz doce repete como que para acreditar no que diz: She's not me and she never will be.
  • Incredible - Ao início esta parecia ser mais uma canção doce sobre um ritmo quente. Mas, e mais uma vez, a música altera-se por completo e a voz energética faz-se ouvir à frente de umas guitarradas crescentes. Depois... bem, depois é uma delícia electrónica que nos invade e nos joga ao ar com o seu ritmo e melodia asfixiantes. Quando a canção regressa ao seu estado inicial, somos mais uma vez levados para outro mundo, um mundo tribal e de ritmos terrenos. Sex with you is incredible! O nível de experimentação neste álbum tem aqui o seu pico e é claramente uma agradável surpresa dado que, mais uma vez, a Madonna não jogou pelo seguro a nível de produção, tal como à primeira vista poderia parecer. Uma delícia!
  • Beat Goes On - Uma nova parceira, desta vez com Kanye West que foi convidado a participar enquanto gravava o seu álbum no estúdio ao lado do da Madonna. É de lembrar que a demo desta canção surgiu também no verão passado e é interessante ver a diferença enorme entre ela e esta versão final, nem o refrão se manteve. Mais um bom exemplo na união entre vários estilos (rap, r'n'b, pop) onde, ao contrário das primeiras previsões negativas, Madonna nunca se perde e a sua aura mantém-se intacta.
  • Dance 2night - O baixo que inícia esta canção vicia-nos o corpo e persegue-nos até ao fim. Trata-se de mais um dueto com o Justin e é uma faixa bem conseguida, com uma melodia inspirada e uma produção que nos faz recordar o primeiro álbum da Madonna, há mais de 25 anos atrás. Na parte final entram os elementos típicos de Timbaland que fazem lembrar o seu Way I Are.
  • Spanish Lessons - Silly-song do álbum. Ritmos latinos e elementos tribais. Madonna dá-nos uma lição (péssima) de castelhano. Vale o ritmo, alguma inspiração na produção e a brevidade da canção.
  • The Devil Wouldn't Recognize You - Com esta canção entramos na recta final do álbum e também na parte mais séria. Piano levita por todo o seu tempo e deixa-se levar pela voz de Madonna magoada que se tenta libertar da sua traição. Coros fazem-se ouvir, semelhantes ao tema de Justin Cry Me a River.
  • Voices - Who is the master and who is the slave? O grandioso final aproxima-se, este é um excelente exercicio de auto-conhecimento que tanto a Madonna gosta, aliado a um ambiente algo obscuro e com sonoridades exoticas. Por fim, a música explode numa orquestração épica e deixa-se por fim silenciar ao som de uns sinos antigos. Uma era acaba de terminar.
  • Ring My Bell (Special Edition Bonus Track) - Possivelmente um dos melhores bónus na carreira de Madonna. If you want to talk to me talk to me!


Madonna - Hard Candy [2008]
Nota:
9/10

1. Candy Shop (**** )
2. 4 Minutes (*****)
3. Give It 2 Me (*****)
4. HeartBeat (****)
5. Miles Away (*****)
6. She's Not Me (*****)
7. Incredible (*****)
8. Beat Goes On (****)
9. Dance 2Night (****)
10. Spanish Lessons (***)
11. The Devil Wouldn't Recognize You (*****)
12. Voices (*****)
13. Ring My Bell (bonus track) (****)


Texto de Luy e Pedro.


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Publicada porAnónimo  

9 comentários:

zehtoh disse... 29/04/08, 09:43  

No meio de tantas "5 estrelas", a minha preferida ("Heartbeat") bem que podia ter mais uma :P

E a "Spanish lesson" não merece mais que duas, na minha opinião... é uma musicazinha irritante :s

Anónimo disse... 29/04/08, 11:04  

A culpa é do Luy :p

Anónimo disse... 29/04/08, 11:30  

Não é nada.
Eu não dava mais que um 8 a este álbum.
E nas estrelas dava mais uma ao Heartbeat e reduzia uma estrela em Spanish Lessons, Voices, 4 Minutes e Give to Me.

Anónimo disse... 29/04/08, 12:07  

Mas... mas... pelas faixas 6 e 7 merece directamente um 9! :P

Confesso que estive quase, quase para dar 4* ao 4 Minutes o_O

A Heartbeat não me diz muito :/

Anónimo disse... 29/04/08, 18:18  

Gosto muito do ritmo do "Heartbeat". Não se pode dizer que desde o Confessions on a Dance Floor a Madonna ande a investir muito nas letras. Esta canção é uma dela.

Mas há bem piores que esta em termos de letra. Também gosto muito do Dance 2 Night, mas é igualmente pela sonoridade.

É um sinal dos tempos...

Anónimo disse... 30/04/08, 12:44  

Sim, ultimamente parece que as letras são talhadas à melodia. Neste álbum, apesar de as letras não serem necessariamente más, apenas as duas últimas faixas parecem ter uma simbiose entre elas.

A Dance 2Night e a Heartbeat são bastante semelhantes no conteúdo e agradáveis mas mesmo assim prefiro as experimentações das restantes faixas, nomeadamente as do Pharell que parece ter conseguido um melhor resultado que a dupla Timbaland/Timberlake.

:)

Anónimo disse... 30/04/08, 13:41  

Concordo plenamente com a tua observação acerca do trabalho do Pharrell.

Viste a crítica do Sound + Music? É muito semelhante à nossa na abordagem :p

Anónimo disse... 30/04/08, 15:04  

Sim, li, mas mais negativa e menos bem conseguida ;)

Parece que pouco falaram de música, apenas do contexto e, ao que parece, com imensos preconceitos quanto à equipa escolhida o_O

*xuac* :)

Anónimo disse... 05/05/08, 13:52  

Julgo talvez seja porque a maioria da crítica europeia está um pouco cheia de Timbaland e Timberlake. Mas américa eles ainda estão em alta. A ver vamos até quando.

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